Urubici 4 – A queda

Quarta vez em Urubici. Meus olhos brilham quando me lembro de cada canto da região. Tive muitas alegrias e conquistas com a bicicleta por lá. No entanto, nem tudo são flores. Por erro meu, caí feio da bike numa descida da SC 370, sentido Grão Pará a Urubici. Apesar da queda e dos ferimentos em meu corpo, as flores que pareciam murchar, ficaram ainda mais belas. Como são maravilhosas as pessoas que estavam comigo! Como Deus é incrível por colocar essas pessoas em meu caminho!

Como os meus amigos gostaram de pedalar no fim do ano de 2016 e nos primeiros dias de 2017 (veja no post Urubici, Urubici, Urubici!), decidimos repetir no período de 25 a 28 de fevereiro, durante a época do carnaval. Escolhemos a Pousada Amélia por ficar no centro da cidade e ser próxima dos locais por onde iríamos pedalar. Nosso desejo era desbravar outros territórios como o Morro do Campestre e a Cachoeira do Avencal. Duas amigas não puderam ir conosco.  Uma delas precisou desistir do passeio exatamente um dia antes da viagem por conta do trabalho. Fiquei arrasada. No entanto, Deus já tinha nos presenteado com outros amigos que não tinham pedalado em Urubici na outra oportunidade.  Além deles, os meus pais, minha irmã e seu marido e filho também iriam pra lá!

As amigas Marisa e Cirlei partiram de Balneário Camboriú para Urubici. Nós, de Florianópolis, nos encontramos em um ponto na beira-mar norte e viajamos em caravana.  Minha família saiu de Joinville rumo ao sul de Santa Catarina, onde meus pais conheceram pela primeira vez a espetacular Serra do Rio do Rastro. Quando chegamos a Urubici, fomos ao local de nossa hospedagem e, na sequência, fizemos compras de supermercado e tomamos um café acompanhado de delícias como as cucas. No café, encontramos a Marisa e a Cirlei. Retornamos à pousada e nos preparamos para o pedal da tarde. Em Florianópolis, o calor estava insuportável. Em Urubici, um paraíso com clima agradável. Até usamos casaco à noite e cobertor na hora de dormir!

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Na beira-mar norte de Florianópolis, antes da partida para Urubici. 

O destino do pedal na tarde de sábado de 25 de fevereiro foi a Gruta Nossa Senhora de Lourdes. Eu testava a minha bicicleta na rua, quando a minha família chegou na cidade. Fiquei feliz da vida em vê-la! Os meus pais não conheciam a região e toda a família ficou hospedada numa pousada próxima da nossa.

Para ir até a gruta, fomos pelo acostamento da SC 370. O trecho é largo e as faixas de pedestres são elevadas, funcionando também como lombadas. Na gruta, tivemos o nosso momento de reflexão e de gratidão a Deus. Depois de curtir o lugar, retomamos o pedal de volta à pousada, pois logo iria anoitecer. Eu estava na frente da galera como guia. Afinal, eu era a pessoa que mais conhecia Urubici do grupo. Logo atrás de mim, vinham a Carla e a Camile. Em determinado trecho, estávamos descendo e vi de longe mais uma faixa de pedestre elevada com um monte de britas espalhadas no chão. Ao passar pela faixa, a bicicleta derrapou, eu me assustei e apertei os freios com força… “P* m*, Luciana!”, eu me xinguei em pensamento. Tudo foi muito rápido. Caí e bati a boca no chão. Senti o forte impacto do meu corpo ao atingir o asfalto com britas.  “Não acredito, eu caí…”.  Fiquei em choque. Não desmaiei, mas entrei em transe. Um filme de parte da minha vida passou em minha mente.

Quando eu tinha 13 anos de idade, dois dentes da arcada superior ainda eram de leite (caninos direito e esquerdo). Um deles, o canino esquerdo, foi extraído numa cirurgia dolorosa para dar lugar ao dente definitivo que estava na posição horizontal. Durante a festa de aniversário de meus 14 anos, o canino direito desceu naturalmente e não precisei passar por outra cirurgia. O meu melhor presente de aniversário até hoje! Corri pela casa gritando “meu dente caiu”. Fiquei dois anos em tratamento e usei aparelho nos dentes. Foi sofrido, mas tudo valeu a pena! Meus pais se esforçaram muito em me oferecer um lindo sorriso.

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Na Gruta Nossa Senhora de Lourdes. Foto: Marisa Terezinha Pereira
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Minha última “selfie” com este sorriso. Foto: Luciana Vieira

“Meus dentes… Nãoooo…” Saí do transe. Veio a dor. Muita ardência na região da boca. Comecei a chorar, pois tive a sensação de ter perdido todos os meus dentes e quebrado a mandíbula. Claudia logo segurou a minha mão e me confortou com suas doces palavras. Logo parei de chorar. Ao verem a minha queda, Carla e Camile conseguiram evitar passar por cima de mim. Cada uma se desviou para um lado diferente. Enquanto eu estava em choque mental, elas foram as primeiras a providenciar o socorro. A ligação do celular não pegava na região, sendo usado o telefone da casa de um morador. Bente e Marcos tatearam o meu corpo e eu não sentia nenhuma dor. Cheguei a falar que eu podia me levantar dali. “Não! Fique como está!”. De modo automático, pedi para avisar os meus pais. Ufa, ainda bem que eles não foram avisados imediatamente, pois não queria estragar o passeio deles.

A dor que eu mais sentia era na região da boca. Sentia os arranhões nos braços, na barriga e na perna direita. Todos me olhavam e eu para eles.  Então, eu disse: “Eu não desisto de pedalar!” Isso os alegrou. Já estava mais tranquila. Claudia me descreveu como estava o meu rosto. Não havia SAMU na cidade, mas os bombeiros vieram em meu socorro. Marcos perguntou: “Quem você quer que te acompanhe até o hospital?” Respondi: “A Claudia”. Pela primeira vez na vida, entrei numa ambulância deitada numa maca e usando protetor no pescoço e rosto.

Lá fomos nós duas ao Hospital Municipal de Urubici. O médico me examinou tateando cada parte de meu corpo. Eu me sentia bem. Caso eu tivesse alguma dor ou osso quebrado, precisaria ir até Lages, pois não havia aparelhos de raio X no hospital de Urubici. Também não tinha dentista no hospital. A enfermeira limpou os meus ferimentos. Tanto ela quanto o médico me deram orientações de como proceder com os ferimentos nos próximos dias. De carro, Carla e Elisa vieram nos buscar no hospital e fomos à farmácia comprar os medicamentos receitados pelo médico.  A atendente da farmácia indicou um dentista que atende em emergência. Elisa ligou pelo celular e explicou toda a situação à esposa do profissional. Ufa, fui atendida! O dentista fez limpeza e contenção nos meus dentes. Contenção é como se fosse gesso nos dentes. Quatro deles da arcada superior foram afetados: os incisivos centrais e os laterais. O incisivo central esquerdo ficou mole, o incisivo central direito quebrou pela metade e os laterais quebraram um pedaço pequeno. Ele me orientou como seria a minha alimentação e pediu para procurar a minha dentista o mais breve possível. Voltei para a pousada mais tranquila com a minha saúde. Porém, preocupada com os passeios da galera. Tentei contato pelo celular com a minha dentista em Florianópolis, mas descobri depois que o número era da clínica e não o dela. Como eu me sentia bem, decidi permanecer em Urubici até o último dia do passeio. O que eu ia fazer no calor infernal em Florianópolis?

No dia seguinte, domingo de 26 de fevereiro, meus amigos queriam que um deles fizesse companhia para mim na pousada. Coloquei a minha camisa e o boné do Marcos com estampa militar para dar ordem a eles. “Vão pedalar! Todos!”. Como estava tomando medicamentos para não sentir dor e nem ter alguma infecção, eu sabia que ia ter sonolência, um dos efeitos colaterais dos remédios. Enquanto eles estavam pedalando, eu li, tomei remédios e dormi. Só saí da pousada para lanchar e conhecer de perto a Cascata do Avencal. Fiquei muito feliz e aliviada em ver que os meus amigos souberam se organizar nos passeios. Apenas indiquei os lugares que valiam muito a pena de pedalar e todos se viraram muito bem.

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Meus amigos pedalando em Urubici. Foto: Marisa Terezinha Pereira
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Amigo dos ciclistas! Foto: Marisa Terezinha Pereira
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Maçãs, maçãs, maçãs… Minha fruta predileta! Foto: Marisa Terezinha Pereira
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No Morro do Campestre. Foto: Marisa Terezinha Pereira
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No Morro da Igreja, ao fundo a famosa Pedra Furada. Foto: Marisa Terezinha Pereira
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A caminho da Cascata do Avencal. Foto: Luciana Vieira

Só contei para a minha família sobre o acidente no anoitecer de domingo. Não quis estragar o passeio deles. Como os meus familiares iriam retornar no dia seguinte, era o momento de saberem. Da janela da pousada, a minha mãe logo me viu. Li os seus lábios: “Ai, meu Deus…”. Junto com ela, vieram a minha irmã e seu filho de 10 anos de idade. Contamos tudo o que aconteceu. Meu sobrinho não suportou de ver-me machucada e pediu para ir embora.  Meu pai e cunhado me viram no dia seguinte. Voltaram tranquilos para Joinville, pois perceberam o cuidado de meus amigos com relação ao meu bem-estar.

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Meus amados pais na Cascata do Avencal. Foto: Vieira Bostelmann

Refleti muito sobre a minha queda. Fiquei muito brava e decepcionada comigo mesma. Por que caí daquele jeito? Eu sabia que jamais se deve apertar os freios com força em uma descida rápida. Desde a metade de janeiro de 2017, eu estava sem usar o aparelho auditivo do ouvido direito. Ele estragou e o conserto iria custar mais de R$ 2.000,00. Tentei usar os aparelhos auditivos antigos e não consegui me adaptar. Minhas orelhas ficaram machucadas e tinha muita dor de cabeça. Então, decidi usar apenas o aparelho esquerdo que está funcionando bem. Comprar novos aparelhos auditivos é um processo demorado, pois envolve pesquisa de preços e muitas idas ao otorrinaringologista e fonoaudiólogo. Apesar desses trâmites, não deixei de pedalar. Com a queda da bicicleta em Urubici, eu me dei conta de que a falta do aparelho direito foi determinante no meu erro.  Eu me lembro de ter assustado muito e automaticamente apertei os freios da bicicleta. O susto era do barulho da derrapagem da bicicleta ao passar pelas britas. Tive um susto à toa, pois a minha audição não estava dentro da normalidade. Minha família e amigos próximos também me falaram que o acidente pode ser decorrente do não uso do aparelho direito. Troquei de otorrinaringologista em função de alguns atropelos. Após o ocorrido em Urubici, meu fonoaudiólogo explicou que até três dias sem usar o aparelho auditivo não há prejuízo nas funções cerebrais. Depois desse período, o equilíbrio já não é mais o mesmo. Pode haver tontura, zumbido e susto por qualquer barulho. O resultado da audiometria que realizei após a queda, mostrou que a percepção de sons do ouvido direito estava bem abaixo dos exames auditométricos anteriores. O aparelho auditivo é como a fisioterapia dos ouvidos. Comprar novos aparelhos era uma atitude emergencial. Nunca tinha ficado sem usá-los por tanto tempo e nem tinha ideia de que afetariam tanto a minha audição. Agora eu sei. Caso o aparelho estragar e ficar sem usá-lo por mais de três dias, devo parar de pedalar.

Prólogo

– Comprei novos aparelhos auditivos e tive um período de adaptação com eles. Demorei mais para me acostumar com o lado direito do ouvido;

– Continuo fazendo tratamento de canal dentário. Como a minha mandíbula deslocou na queda, fiz tratamento fisioterápico nessa região;

– Voltei a pedalar, graças a Deus! Ainda não estou pedalando com regularidade, pois o outono foi bem chuvoso em Floripa;

– Não deixei de trabalhar nenhum dia. A minha mão esquerda doía para digitar. Meus colegas de trabalho me ajudaram bastante;

– O capacete não quebrou. Como o tenho há seis anos e já caí da bicicleta outras vezes, comprei um novo. Recomenda-se adquirir um novo, pois o interior do capacete, mesmo não quebrado, se deteoriza com o tempo em função de umidade, sujeira, calor, etc.;

– A bicicleta não quebrou. Ela é de alumínio e bem leve. Impressionante! Apenas troquei o selim que estava bastante avariado por um novo;

– Os meus óculos de grau não quebraram. Porém, tive ferimentos na região dos olhos, pois eles pressionaram meu rosto. Aliás, há óculos especiais para uso quando se pedala. Pretendo adquiri-los em breve. Desejo colocar grau nas lentes, pois tenho miopia e astigmatismo;

– As luvas protegeram as minhas mãos. Tive dor nas dobras das mãos, pois as usei automaticamente como apoio ao cair da bicicleta;

– Tive ferimentos na barriga, perna direita, ombro direito, rosto e braços. Recuperação rápida! A minha cicatrização é muito boa;

– Sempre tive plano de saúde particular. Como fui atendida em hospital público, me perguntaram qual é o meu número da Carteira Nacional de Saúde. “Hã? Eu não tenho…” Todos os brasileiros possuem o seu número. Não sabia disso… Agora eu já sei qual é o meu número. Descobri isso por meio do meu próprio plano de saúde particular. A carteirinha pode ser emitida nos postos de saúde de sua cidade;

– Não faço mais descida tão rápida como antes. Pedalo com muito mais atenção;

– Durante a queda, os anjos de Deus vieram em meu socorro para que eu não tivesse nenhum osso quebrado. Somente três dentes quebraram e um ficou mole. Deus fez e faz muita coisa por mim. Os amigos ciclistas que estavam comigo foram maravilhosos. Cada um teve o seu papel;

– Enquanto a ambulância não chegava ao local do acidente, motoristas ofereceram ajuda. Moradores da região também. Ouvi de desconhecidos desejando que eu tenha uma boa recuperação;

– Eternamente grata a Deus! Minha família, meus amigos e meus colegas de trabalho sempre me ajudando e continuo tendo boa assistência dos profissionais de saúde em Florianópolis (dentistas, fisioterapeutas, otorrinogologista e fonoaudiógo);

– Não vejo a hora de pedalar de novo em Urubici! Que venha Urubici 5!

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Missão cumprida! Foto: Mauro Piconi

Urubici

Luciana Vieira Visualizar tudo →

Blog que compartilha a minha alegria em pedalar. Evidente que não há só alegria, porque sabemos muito bem que o nosso país não valoriza os ciclistas. Melhor dizer: não pensa em todas as pessoas como os pedestres, os cadeirantes e os idosos. Além das experiências de minha vida como ciclista, este espaço trata sobre outros temas, mesmo não tendo relação com a bike. Dou um alerta: o fato de gostar de pedalar não significa que sou especialista nessa temática. Aqui são histórias, opiniões, relatos, o que vier da minha mente e eu julgar interessante de contar. Na primeira postagem deste blog, convido a ler sobre o motivo de se chamar Aquela que pedala. Quem escreve? Sou a Luciana Vieira, tenho deficiência auditiva e moro em Florianópolis/SC. Atuo como assistente administrativa em empresa federal de energia elétrica e, desde 2013, procuro usar a bicicleta para me deslocar ao trabalho. Comunicação Social com habilitação em Jornalismo é a minha formação acadêmica e não exerço a profissão. Sempre gostei de escrever e já tive o prazer de dar uma de escritora em blogs de amigos como o Máquina de Letras. Mais segura em escrever e expor no meio virtual, decidi ter o meu próprio cantinho. E assim Aquela que pedala vem a ser a varanda de meus escritos. Sugestões, opiniões, críticas? Escreva para o e-mail aquelaquepedala@gmail.com

10 comentários Deixe um comentário

  1. Lú, apesar de ter estado com você lá em Urubici, através de seu texto pode ter uma nova percepção do ocorrido através do seu pontonas vista. Você foi uma guerreira e minha admiração triplicou. Incrível nos textos, na garra e na parceria. Sou fã! Beijão!

  2. Luciana querida, fiquei emocionada ao lembrar daqueles dias, lendo o seu relato. Você é uma guerreira e eu te amo muito.

  3. Lu, pessoalmente vi você muito pouco, mas acompanho seus pedais, seus posts e não sabia do seu tombo. Imagino sua dor, o sufoco, mas, por outro lado, só cai quem pedala e quem se arrisca. Você é admirável, guerreira, parabéns! Muita luz sempre, muita garra, saúde, treinos, pedais, foco e Fé. Venha fazer cicloturismo conosco aqui na Costa Verde Mar. Beijos no seu coração.

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